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Achamos que deveríamos colocar este artigo publicado pela Revista Época, para estimularmos as pessoas a fazerem alguma coisa pelas pessoas, dentro da sua capacidade, do seu talento!

Esse grupo foi criado há cinco anos, o Chefs Especiais reuniu amigos para uma receita diferente. Foi desenvolvido por Simone e Márcio Berti, um casal que doa parte de seu tempo, energia e conhecimento por uma causa social. A família Berti possui uma fábrica de panelas e tem uma agenda repleta de parceiros ligados a restaurantes e empresas de alimentos, e o projeto vergou para a culinária. “No início nem havíamos pensado em fazer o programa só para pessoas com Down. Mas na primeira aula tivemos várias crianças com a síndrome e decidimos investir nesse campo”, diz Simone. Chefs renomados, como Alessandro Segato, Olivier Anquier, Luiza Zaidan e Henrique Fogaça (pai de Olivia, de 5 anos, que tem uma síndrome rara e ainda não diagnosticada), entre outros, abraçaram a causa dos Berti, juntando-se ao corpo de professores convidados do Chefs Especiais. Para o futuro, o casal estuda a criação de cursos de culinária profissionalizantes para jovens com a síndrome.

A aula é um grande evento social para essas pessoas. Ali,  eles se sentem incluídos conversando de igual para igual com todos (muitos deles estudam em escolas regulares e são frequentemente tratados como exceção por professores e colegas).

Simone diz que a sensação de pertencer de fato a um grupo faz uma enorme diferença para estes jovens. É assim com Bárbara de Souza, de 18 anos, aluna do Chefs Especiais desde 2009.

 Terapia Gastronômica

Naquele sábado chuvoso, a chef convidada, Luiza Zaidan, propôs aos alunos a produção de uma sobremesa e dois lanches rápidos. Para estimular a integração, montou grupos de acordo com os menus. De um lado, a moçada do doce. Do outro, a galera do salgado. E apresentou as receitas, tiradas de um livro de sua avó: musse de chocolate, pão de queijo e pão de minuto. A estratégia foi um sucesso. As guloseimas também. Um pouco inibido ao chegar para sua primeira aula, Rafael Cavalcante Sleiman, 14 anos, não levou mais do que duas colheradas para fazer amizade com os colegas da tigela reservada para a preparação do pão de queijo. Em outro grupo, Maria Victória Alarcon, 13 anos, experimentava o lado lúdico e, ao mesmo tempo, sério de preparar com as mãos a massa do pãozinho. Adriana, mãe de Maria Victória, diz que a menina conta, com orgulho, todos os detalhes do curso de culinária. Outro dia Maria Victória pediu aos pais que a levassem ao restaurante Sal, do chef Fogaça. Queria ver o professor em ação. “A culinária faz muito bem para a autoestima dela”, afirma Adriana.

De acordo com Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, a gastronomia reúne uma série de atributos afetivos e cognitivos. O ato de cozinhar desperta nas pessoas a percepção da capacidade de alimentar a si e aos outros e de participar da criação de algo saboroso. “Além disso, o fato de você juntar ingredientes que, isoladamente, não são gostosos para transformá-los em algo bom é muito significativo”, diz Quézia. Do ponto de vista afetivo, simboliza unir pessoas que não se conhecem e criar horas muito prazerosas.

A gastronomia traz o benefício de trabalhar conceitos de várias disciplinas de forma harmoniosa e simplificada. “Ao fazer uma receita, é possível ensinar matemática, português, geografia”, diz Lia Niubó, pedagoga e sócia da Escola Angeluz. O colégio, localizado em um bairro de classe média de São Paulo, levou cinco alunos para participar do Chefs Especiais. Além da aritmética dos ingredientes e da origem geográfica das receitas, segundo Lia, a culinária também exige o ensino de valores importantes, como a solidariedade. Naquela tarde de sábado, todos aprenderam esse conceito rapidamente. A cada ovo quebrado ou pãozinho enrolado, a festa era grande, com direito a palmas e abraços coletivos. Um verdadeiro espírito de equipe.

A despeito de todos os ganhos didáticos, quem mais aprende em experiências como a do Chefs Especiais não são os alunos. São os familiares. “Os satélites [pessoas que cuidam de quem tem necessidades especiais] precisam aprender a lidar com situações novas, reduzindo o medo de expor estes adolescentes e crianças a atividades sociais”, diz o chef Alessandro Segato. “Meu maior esforço sempre foi mostrar aos familiares como agir”, diz.

Medo, certamente, não faz parte da história de Pricila e de sua família. A mãe da garota, Letícia Silveira, entende que as restrições impostas pela sociedade são muito maiores que as limitações manifestadas pela genética. “As possibilidades de crescer e evoluir existem para a Pricila e para qualquer pessoa. É só ter acesso às oportunidades”, diz. Hoje, aos 20 anos, a aluna que quebrava ovo naquela aula de culinária é uma chef formada pela Universidade Católica de Santos, com diploma do curso de inglês e um estágio de trabalho concluído. Para o futuro, Pricila guarda muitos planos. Quer morar sozinha, trabalhar e montar o próprio restaurante. A realização do segundo sonho pode estar próxima. Saiu do Chefs Especiais com um convite da chef Rita Corsi para trabalhar no restaurante Mil. Uma recompensa e tanto para a chef mirim.

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